31 agosto 2006

Coração de Jesus

UMA FONTE BROTA DO CORAÇÃO
por Pe Francisco Sehnem scj

Para alicerçar a nossa devoção (culto e espiritualidade) do Coração de Cristo nada mais seguro do que reler tantos e tantos fundamentos que a Revelação Bíblica nos traz. Mas, parece útil acrescentar algumas citações dos Santos Padres para termos uma idéia de como esta espiritualidade bíblica se desenvolveu na Tradição cristã.
K. Richstätter, o grande especialista da devoção ao Coração de Jesus na Idade Média, escreveu: “Nos primeiros mil anos do cristianismo, a idéia do Sagrado Coração de Jesus era desconhecida”. Mas, houve muita reação a esta afirmação. Vários autores começaram a citar numerosos textos dos Santos Padres e, mais tarde, Hugo Rahner sistematizou este estudo, extraindo da teologia patrística três grandes temas:
Há um conjunto de textos que se referem a João 7,37-39. São textos que falam da água viva que nasce do lado de Cristo transpassado na cruz. Há uma fonte que brota do seu Coração.
Depois aparece uma tradição patrística sobre São João, o discípulo amado, que reclinou a sua cabeça sobre o peito do Senhor (Jo 13,23-25).
Finalmente, inúmeros textos patrísticos falam da origem da Igreja que nasce do Cristo transpassado na cruz (Jo 19,34).
Seria, ainda, interessante, pesquisar o que os Santos padres escreveram sobre o coração humano, de modo geral.
Há, realmente, uma riqueza enorme de textos. Nestes dias andei relendo alguns textos do trabalho do Jesuíta Francisco Xavier de Franciosi (Le Sacré-Coeur et la Tradition). Este homem se deu ao trabalho de percorrer todos os Santos Padres e transcrever todos os textos que poderiam dizer algo para a espiritualidade do Coração de Jesus. O livro foi editado em 1901, em Montreuil-sur-mer. São 480 páginas, de uma letra bem miudinha.
Já sabemos que o texto de Jo 7,37-39 apresenta um célebre problema de pontuação. A Vulgata (tradução da Bíblia em latim) familiarizou-nos com a leitura segundo a qual o coração do crente se transforma em fonte de água viva. “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba. Aquele que crê em mim, como diz a Escritura, do seu seio (koilia) correrão rios de água viva”.
Hugo Rahner demonstrou que esta leitura tem sua origem nos escritos de Orígenes, e se transmitiu graças a muitos Padres gregos e latinos, especialmente Santo Ambrósio e Santo Agostinho, que influenciaram toda a tradição ocidental.
Fazendo uma pesquisa mais aprofundada, Rahner chegou a conclusão de que os Santos Padres gregos mais antigos gostavam de fazer uma outra leitura desta passagem. Nesta interpretação, o Coração do transpassado aparece claramente como a fonte da água viva, como a fonte do Espírito: “Se alguém tiver sede, venha a mim, e beba aquele que crê em mim. Como diz a escritura, do seu seio correrão rios de água viva”.
Rahner chama esta leitura mais antiga de ‘efesina’(de Éfeso) em oposição à leitura ‘alexandrina’(Alexandria) de Orígenes. Os representantes da leitura efesina são bem menos numerosos, mas Rahner lhe atribui uma autoridade muito grande e chega a pensar que esta seja realmente a leitura autêntica. É um texto realmente importante para o estudo bíblico e especialmente para a teologia do Coração de Jesus.
Um primeiro testemunho claro para a leitura efesina deste texto (Jo 7,37-39) é Hipólito de Roma, em seu comentário de Daniel 1,17. Hipólito recebeu esta interpretação de Santo Irineu, discípulo de S. Policarpo que , por sua vez, conheceu o Apóstolo João.
Irineu escreve: “Mas, o Espírito Santo está em nós, e Ele é aquela água viva que o Senhor oferece a todos os que nele crêem, como Ele manda” (Ad. Haereses, V, 18,2). E escreve, ainda, no mesmo livro: “A Igreja é a fonte da água viva que brota para nós do Coração de Cristo. Onde está a Igreja, ali está o Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus, ali está a Igreja e toda a graça. Mas, o Espírito é verdade. Aquele que não participa deste Espírito, não receberá nenhum alimento nem vida no seio de nossa Igreja, nem pode beber da fonte cristalina que brota do Corpo de Cristo” (ibid. III 24,1).

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