31 maio 2006

CORAÇÃO DE JESUS

O CULTO À HUMANIDADE DE CRISTO
por Pe Francisco Sehnem scj

No primeiro milênio não podemos falar ainda de culto ao ‘Coração de Cristo’ propriamente dito. Todavia ele já está subjacente, embora de modo implícito, no culto à humanidade de Cristo e, em particular, às chagas de Cristo. “Na verdade – refere Pio XII – nunca faltaram homens votados a Deus, que a exemplo da Mãe de Deus, dos Apóstolos e dos insignes Pastores da Igreja, prestaram culto de adoração, ação de graças e amor à humanidade santíssima de Cristo e, sobretudo, às suas sagradas chagas”( H.A).

A atenção fixou-se, depois, na ‘chaga do lado’, passando a venerar-se, sob o símbolo do Coração transpassado, o amor incondicional de Cristo pelo gênero humano (cf. H.A).
Dentro deste contexto, podemos afirmar que o episódio da transfixão (Jo 19,34), unido ao tema da água viva (Jo 7,33-39), constitui pela sua riqueza bíblico-teológica, a fonte primordial deste culto. Aliás, a exegese de João 7,33-39, centro de divergências insuperáveis, mesmo em nossos dias, influenciou decisivamente a sua evolução posterior. São apresentadas duas hipóteses de pontuação para esta perícope, cada qual com larga aceitação entre exegetas e teólogos.

A - “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. O que crê em mim, como diz a Escritura, do seu seio correrão rios de água viva”.

B - “Se alguém tem sede venha a mim e beba o que crê em mim. Como diz a Escritura, do seu seio correrão rios de água viva”.

A interpretação A desenvolve o aspecto subjetivo e pessoal. A interpretação B, por sua vez, está ligado ao aspecto objetivo e histórico, encontrando a sua fonte no texto de Jo 19,34: o sinal da transfixão.

No primeiro caso, o brotar das águas vivas tem sua origem no coração, no interior do crente. Nós somos aqueles que crêem no Senhor e bebemos da fonte que é Cristo e nos transformamos em fonte para os outros. No segundo caso, as águas brotam do interior de Cristo.
O culto ao Coração de Cristo, intimamente ligado a estas duas expressões bíblicas, desenvolve-se deste modo em duas perspectivas:

a) Do ponto de vista subjetivo e pessoal engloba a interioridade de Cristo, cuja unidade e raiz é o amor. Tudo isto é simbolizado pelo seu Coração transpassado na cruz. Esta perspectiva é seguida pelos Santos Padres da Escola de Alexandria. Caracterizará o culto ao Coração de Jesus, sobretudo, a partir do século XII (com os místicos).

b) Do ponto de vista objetivo e histórico, segundo a interpretação B, o Coração transpassado, jorrando sangue e água, é a fonte de todos os bens messiânicos em ordem à salvação: a Igreja, os Sacramentos, ou seja, a plenitude da graça redentora. Esta perspectiva tem sua origem na tradição efésio-joanina (Èfeso, São João).

Toda a evolução histórico-doutrinal do culto ao Coração de Jesus, a partir destas duas perspectivas, dará maior importância ora ao coração como centro interior da pessoa de Cristo, Verbo Encarnado, ora ao conjunto das graças que brotam do seu lado transpassado. Da síntese destas duas perspectivas resulta o verdadeiro conteúdo do culto ao Coração de Jesus.

Ao longo deste primeiro milênio, marcado pelos escritos dos Santos Padres, acentua-se particularmente, o aspecto objetivo e histórico, ou seja, o conceito da fonte inesgotável da graça que brota do Coração transpassado de Cristo. Segundo este modo de pensar, a época patrística possui uma verdadeira teologia do Coração de Jesus e podemos afirmar que constitui um elemento essencial no conjunto do pensamento da patrística.

Nenhum comentário: