RELIGIÕES EM CONFLITO
Pe Zezinho scj
Aos que me pedem uma reflexão sobre o tema.
Irmãos de fé, os conflitos que explodem hoje na Europa, na Ásia, no Oriente Médio e na África, com milhares de manifestantes e centenas de mortos, são a triste conseqüência de séculos de doutrinação que denigre, exclui, ridiculariza e, na hora do ódio, elimina o outro crente.
O mundo sempre conheceu a violência nascida no púlpito e promovida nas ruas em nome da verdade única. O leitor de História Universal sentirá náuseas ao saber o que religiosos andaram fazendo uns contra os outros em nome da sua fé. Quando as diferenças passaram a ter mais importância do que as semelhanças entraram as armas, os cadafalsos e os canhões.
Uma leitura atenta da Bíblia e do Alcorão nos revela o eterno conflito entre a misericórdia e a vingança, a tolerância e a intolerância. O fiel que abre tais livros pode escolher entre as passagens que mandam matar e louvam o Senhor pelas mortes do ímpio, do inimigo, do infiel e as que mandam perdoar e louvam o Senhor pelo perdão dado e recebido. Teria Deus ensinado a odiar e a matar ou os seus profetas e porta-vozes leram errado as suas instruções?
Há toda uma cultura de ódio, separação, discriminação e vingança com raízes no clã, no nomadismo, na disputa por terra, na etnia e na política que a religião, além de não conseguir superar, algumas vezes sacramentou. Ou Deus foi mal citado, ou mal compreendido, ou abertamente manipulado por gente que se dizia porta-voz do Criador.
Não é que a América Latina esteja imune aos conflitos de crente contra crente que torturaram e torturam outras sociedades.
Seus contornos estão entre nós e começam a mostrar a sua garra quando um fiel quebra um símbolo da outra religião. Motivado por pregações irresponsáveis que garantem aos fiéis que eles são "eleitos, vitoriosos e vencedores" e que "sabem o que os outros não sabem", vai lá e achando-se um herói da fé, destrói um sinal da outra Igreja.
Vemos os contornos dessa violência futura, quando se ouve um pregador aos gritos, diante da Catedral dos Católicos a chamar os que passam de "filhos das trevas" ou de "criaturas" enquanto aquele grupinho que o ouve se classifica como "verdadeiros filhos de Deus e filhos da luz". Imagine quinhentos católicos fazendo o mesmo na escadaria do templo deles... Alguns anos dessa pregação impune e teremos, aqui também, os mesmos conflitos que hoje tanto nos horrorizam. Vai depender dos pregadores e dos seus púlpitos.
Preocupa-me o futuro quando vejo que alguns pregadores da fé nem sequer conseguem se cumprimentar ou tomar um café, juntos, embora seus templos fiquem a apenas cem metros um do outro. Não deixa de ser sintomático que dois pregadores, que se dizem cristãos e anunciam a mesma misericórdia passem anos pregando, a cem metros um do outro e nunca tenham tido a decência de se visitarem ou de comerem juntos um sanduíche.
Em nome de quem estão falando? Oséias 6,6 não tem sido levado a sério. Os cultos são maravilhosos e levam milhares de fiéis ao êxtase e ás lagrimas, mas lá fora, os mesmos fiéis mal conseguem sustentar cinco minutos de conversa sem falar ou dar a entender que eles acharam o que o outro não achou.
Esses dias, entrei numa livraria evangélica para conhecer as novas obras dos principais cantores evangélicos e pentecostais, já que muitos deles compram minhas canções e dizem que se inspiraram em meu trabalho.
Eu estava lá a menos de dois minutos quando uma fiel entoou um "glória a Deus" porque via que eu estava me tornando "Servo de Jesus". Tive vontade de lhe responder com João 15, 15 e lembrar-lhe que Jesus não tem servos e sim amigos e irmãos. Quem ensinou a esta mulher que um irmão que fraternalmente se interessa por ver as coisas boas deles, agora está vendo a luz? Quer dizer que não há nada de bom do nosso lado? O sol só brilha na livraria deles? Vejo os conflitos religiosos de agora e de sempre como conseqüência do púlpito. Se percebo dois fiéis a brigar na rua, parentes batendo boca, ou até agredindo-se por causa da sua religião, olho para um ponto mais alto. Imagino quem eles andaram ouvindo.
No dia em que a maioria dos pregadores de religião se entenderem e dialogarem sobre as suas diferenças, as chances de conflitos de fundo religioso serão mínimas. Infelizmente agora, os religiosos de coração ecumênico ainda são minoria. O jeito é continuar mostrando o que há de bonito na nossa e na religião dos outros. Se não soubermos fazer isso, nossa religião pode até ser maravilhosa, mas nós não. Seremos religiosos com pena de pato, que vivem na água, mas o corpo não se molha. São impermeáveis.
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