Aborto, anencefalia e uso de embriões: em uma só semana
Dr. Frei Antônio Moser
Assessor da CNBB para assuntos de Bioética
Meados de novembro trouxe um raio de luz que iluminou três questões indevidamente transformadas em cavalos de batalha para uma espécie de cruzada contra a vida justamente dos mais fracos. Estas questões podem ser resumidas em poucas mas expressivas palavras: liberação do aborto; eliminação dos anencefálicos; uso de células embrionárias humanas em experiências ditas terapêuticas.
A campanha comandada por ninguém menos do que um ministro que deveria zelar pela vida e pela saúde de todos, sofreu um significativo revés justamente em Brasília, na conclusão do Congresso sobre saúde. O tamanho das letras com as quais foi dada a notícia mostra o significado simbólico daquela rejeição: os congressistas, pessoas bem qualificadas, se faziam intérpretes dos cristãos, que se constituem na absoluta maioria da nossa população. Os partidários da liberalização terão que matizar bem mais seus discursos e, sobretudo, deter-se mais atentamente sobre o que significa saúde pública.
Ainda mais quando se têm presentes as contínuas reportagens sobre as lamentáveis condições de funcionamento do SUS, parecem não deixar dúvidas sobre onde se localizam os verdadeiros problemas de saúde pública.
A segunda boa notícia de meados de novembro tem um nome: chama-se Marcela de Jesus, um bebê, tido como anencefálico, mas que já completou seu primeiro ano de vida. Claro que não faltaram vozes de autoridades no assunto para vir a público afirmar o que todo mundo já sabia: nem todos os que foram batizados com este qualificativo o são de fato. Como em qualquer outro tipo de anomalias, sejam elas de cunho diretamente genético ou não, existem graduações diferentes. E só esta constatação já é suficiente para reforçar o mesmo princípio ético referido acima em relação ao aborto: sob pena de regredirmos aos tenebrosos tempos do nazismo, ninguém tem o direito de decidir sobre os que podem viver e os que devem morrer.
É claro que todos sofrem quando um ser humano apresenta graves limitações; mas também todos deveriam sofrer quando se constata que as mais graves limitações não provém de defeitos genéticos, mas da maldade humana, manifesta nas mais variadas formas de violência.
Há um evidente exagero tanto nas estatísticas que se referem aos denominados abortos clandestinos, quando no que se refere ao número de portadores de doenças graves de cunho genético. Se abraçarmos a pressuposição de algumas pessoas que se julgam porta vozes das ciências, daqui a pouco corremos o risco de sermos portadores de um chip que sinalizará a anomalia que nos acomete e nos torna inábeis a continuarmos a viver.
A terceira boa notícia de novembro de 2007 diz respeito às células tronco adultas. Sem dúvida as células tronco, tanto embrionárias quanto adultas, se transformaram em personagens centrais quando se fala em biogenética e biotecnologia. Ainda que elas de fato se constituam em personagens centrais, é preciso logo acrescentar que lhes foram atribuídos papéis que ultrapassam seu poder excepcional. Em certos meios de comunicação e na cabeça de alguns setores ligados às biociências, elas se passaram a ser vistas como uma espécie de panacéia para curar todos os males. Ademais, embora nem todos tenham isto muito presente, o fato é que desde finais do século passado células embrionárias e células adultas passaram a ser contrapostas. Uns apostavam todas as suas fichas nas células embrionárias, mesmo sabendo que seu uso implica na morte do embrião; outros ressaltavam o potencial regenerador das células adultas.
Mas, para ser claro, os que se consideram grandes pesquisadores juravam de pés juntos que as células adultas seriam muito inferiores às embrionárias. Nestes dias, pesquisas levadas adiante e em separado, mas sempre por verdadeiros pesquisadores do Japão e dos Estados Unidos, parecem haver deremido as dúvidas: as células adultas podem ser reprogramadas para exercerem as funções indevidamente atribuídas às células embrionárias. Assim, ainda que os verdadeiros cientistas humildemente reconhecem haver ainda um longo caminho a ser percorrido, parece haver ficado claro: células embrionárias, por conterem um código único, original e irrepetível, são impróprias para qualquer tipo de terapia. Sua função é serem propulsoras da vida. Se implantadas elas se comportarão como corpo estranho. Assim as esperanças terapêuticas se deslocam para as células adultas, devidamente reprogramadas.
Com isto fica uma vez mais evidenciado que, verdadeiramente Deus fez bem todas as coisas. A nós cabe a missão de desvelar seus segredos e aproveitar-nos das propriedades por ele atribuídas a todas e a cada uma das coisas.
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